A Guerra na Ucrânia — Perigo Claro e Presente… Fabricado totalmente na América. Por Strategic Culture

Seleção e tradução de Francisco Tavares

4 m de leitura

Perigo Claro e Presente… Fabricado totalmente na América

Editorial por  em 14 de Outubro de 2022 (original aqui)

 

© Photo: REUTERS/Nacho Doce

 

Não há um único político em Washington ou entre os seus lacaios ocidentais que tenha a capacidade de pensar de forma inteligente ou razoável

 

Culpar os Estados Unidos e os seus parceiros da NATO pela escalada da guerra com a Rússia por causa da Ucrânia seria criticado pelos meios de comunicação ocidentais como uma atitude de “propaganda do Kremlin”.

Mas e se o argumento não for defendido pela Rússia, mas por um panteão virtual de estudiosos, pensadores, diplomatas e planeadores geopolíticos respeitados dos EUA?

Um oportuno artigo de análise esta semana recorda os avisos feitos por alguns dos melhores pensadores políticos americanos ao longo dos últimos 30 anos. Estas figuras advertiram categoricamente contra a expansão para Leste da aliança militar da NATO liderada pelos EUA. Eles previram exactamente o perigo claro e presente que agora vemos na Ucrânia no que respeita a uma possível conflagração total entre potências nucleares.

O artigo acima citado incluía referências a Jack Matlock, o antigo embaixador dos EUA na União Soviética, William Perry, que foi Secretário da Defesa na administração Clinton (1994-97), George Kennan, o fundador da Política de Contenção contra a União Soviética, bem como Henry Kissinger, Noam Chomsky e William Burns (este último é agora o chefe da CIA e perguntamo-nos como é que as suas conversas se enquadram na actual administração Biden). A essa lista eminente poderiam ser acrescentadas as opiniões académicas do falecido Stephen Cohen que morreu em 2020. O Professor Cohen condenou veementemente aquilo a que chamou a “Nova Guerra Fria”, incitada pela administração Obama a partir do seu apoio a um golpe de Estado na Ucrânia em 2014. O homem chave de Obama na formação do regime raivosamente anti-russo de Kiev não é outro senão o actual titular do cargo na Casa Branca, Joe Biden.

Todos estas figuras de proa são conhecidas por terem expressado uma oposição acérrima à expansão da NATO em direcção às fronteiras ocidentais da Rússia. Parte da sua objecção baseou-se numa questão de princípio devido a compromissos históricos que os líderes dos Estados Unidos tinham dado à União Soviética de não expandir um centímetro a leste da Alemanha, aquando da reunificação desta última em 1990. Mas a sua oposição baseava-se também na dura realidade política de que um tal avanço do bloco militar constituía uma ameaça intolerável à segurança da Rússia.

É notável que os supracitados pensadores e diplomatas americanos tenham partilhado uma apreciação da história e, em particular, da experiência escaldante da União Soviética com a agressão nazi. Lamentavelmente, tal sensibilidade histórica parece ausente nas recentes administrações dos EUA e entre demasiados políticos europeus.

É particularmente relevante que os esclarecidos pensadores americanos estivessem bem conscientes da sensibilidade da Ucrânia em relação à cultura russa e à segurança nacional. Kissinger e os outros estavam todos demasiado conscientes de que Moscovo nunca contemplaria a separação artificial da Ucrânia e a transformação do seu vizinho num posto de escala das armas da NATO contra o coração da Rússia.

Naturalmente, para alguns estrategas americanos, como o falecido Zbigniew Brzezinski, que queria a hegemonia americana a qualquer custo, a subjugação da Ucrânia sob controlo ocidental era precisamente o objectivo desejado a fim de desestabilizar a Rússia.

Os pensadores mais racionais e mais sensatos, porém, sabiam que tal estratagema era inviável. Não só inviável, mas também um caminho para o inevitável confronto e guerra.

A NATO foi fundada em 1949 como um inimigo manifestamente ideológico e militar da União Soviética. Evidentemente, a hostilidade foi transferida sem problemas para a Federação Russa. Desde 1991, após o colapso da União Soviética, a aliança da NATO duplicou o número dos seus membros para o número actual de 30 Estados. Alguns dos membros mais recentes partilham fronteiras com a Rússia e professam uma animosidade irracional que pode ser atribuída ao conluio durante a Segunda Guerra Mundial com a Alemanha nazi.

Os compromissos de não-expansão dos EUA no passado foram minuciosamente destruídos com negação flagrante. E a expansão descarada tem sido conduzida com insultuosa provocação a Moscovo que fala de cálculo deliberado. Uma certa arrogância mal colocada sobre “ganhar a Guerra Fria” e noções imperialistas de “domínio de todo o espectro” tomaram como reféns qualquer política externa racional e cumpridora da lei.

Apesar das repetidas preocupações manifestadas pela Rússia, os Estados Unidos e os seus aliados transatlânticos da NATO descartariam estas reticências com uma soberba arrogância. Quando a Rússia apresentou uma proposta para um tratado de segurança em Dezembro de 2021, envolvendo a exclusão da Ucrânia da NATO e a retirada das armas estratégicas da NATO das suas fronteiras, as propostas foram descartadas liminarmente. Além disso, a transformação da Ucrânia num arsenal de armas pelos EUA e pela NATO continuou a representar uma ameaça iminente para a Rússia. O lançamento de uma operação militar especial por Moscovo no dia 24 de Fevereiro do início deste ano foi necessário por anos de acumulação de agressões por parte do regime de Kiev.

Toda esta situação execrável foi prevenida pela Rússia e pelos eminentes pensadores americanos acima citados.

Estamos num dilema diabólico de guerra crescente na Ucrânia entre o bloco da NATO liderado pelos EUA e a Rússia. Os Estados Unidos e os seus aliados parecem ter apenas uma política: continuar a armar o regime de Kiev com armas cada vez mais pesadas que constituem uma ameaça para o território russo.

Washington não tem uma política, a não ser a de impulsionar a guerra. As ambições imperiais dos EUA dependem de incitar tensões globais divisórias e recriar demarcações da Guerra Fria. A economia capitalista dos EUA, dependente do complexo militar-industrial, necessita de uma política de agressão e conflito em relação à Rússia e à China em particular. Uma nova Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca, publicada esta semana, atesta essa mentalidade de belicismo irreprimível.

Um ilustre político americano e antigo candidato presidencial, Tulsi Gabbard, comentou esta semana com Tucker Carlson da Fox News: “Temos demasiadas pessoas em Washington que são belicistas, subservientes ao complexo militar-industrial, e que continuam a colocar os seus próprios interesses egoístas e os interesses dos seus doadores em primeiro lugar, sem se preocuparem com o custo e consequências que as suas decisões têm para o povo americano”.

O mesmo se poderia dizer das elites políticas europeias

Gabbard, tal como os outros pensadores americanos acima referidos, também alertou contra a expansão da NATO e o recrutamento da Ucrânia com vista à sua adesão.

Estes pontos de vista inteligentes e de respeito pragmático pelas relações internacionais pacíficas, alertam para o perigo claro e presente na Ucrânia.

É igualmente revelador que tais opiniões sejam em grande parte excluídas dos meios de comunicação social ocidentais ou menosprezadas por serem consideradas as dos “apologistas russos”.

É isso que é verdadeiramente perturbador. Não há um único político em Washington ou entre os seus lacaios ocidentais que tenha a capacidade de pensar de forma inteligente ou razoável. Essa incapacidade de diálogo e de diplomacia é condenável.

 

 

Leave a Reply